Na semana passada, o empresário Oded Grajew aterrissou no Rio, levando na mala o Programa Cidades Sustentáveis. Lançado no ano passado, o projeto quer aproveitar as eleições municipais em outubro para estabelecer metas aos próximos gestores. Em seminários pelo país, o israelense naturalizado brasileiro já apertou a mão de mais de 200 pré-candidatos a prefeituras. Todos concordaram em seguir à risca uma lista de 12 eixos, que abraça do consumo responsável a ações para a saúde e o trânsito. É, usando um nome mais científico, a plataforma para o desenvolvimento sustentável.




 -Poucas cidades fazem um planejamento integrado de suas áreas de gestão no país. Na verdade, não conheço nenhuma — admite Grajew, que, no Rio, apresentou seu projeto em um colóquio na Academia Brasileira de Filosofia. — Por faltar esta concepção ampla, fizemos a agenda explicando o significado de uma cidade sustentável.
    Dois partidos aderiram integralmente ao projeto — PT e PPS. E algumas cidades, incluindo Rio e São Paulo, aprovaram a Lei de Metas, obrigando o prefeito a apresentar, até 90 dias  após sua posse, a lista de projetos que pretende concluir em seu quadriênio à frente do Executivo. Falta, agora, levar esses acordos para a rua. A Europa já coleciona bons exemplos. Um deles é Vitoria-Gasteiz, eleita este ano a capital verde do continente. Entre os louros da cidade espanhola, está a presença de áreas verdes e de todos os serviços básicos em um raio de 300 metros de cada morador — e há 230 mil deles. Este é o futuro das metrópoles: sua divisão em pequenos núcleos. O que deu certo na Europa pode ser importado para o mundo inteiro. Segundo o Conselho de Edifícios Altos e Habitats Urbanos, cerca de 1 milhão de pessoas migram semanalmente para cidades no planeta. — A concentração urbana é  irreversível, mas também traz vantagens — pondera Antônio Macêdo Filho, representante do conselho no Brasil. — Mais gente reunida diminui os deslocamentos entre trabalho e casa, e os transportes representam uma parcela importante das emissões de carbono. Se você promove a densificação urbana, haverá mais serviços ao redor.
Macêdo inaugura na sexta-feira à primeira turma carioca do curso de MBA em Construções Sustentáveis, gerenciado pela Universidade Cidade de São Paulo. Para ele, as cidades do  futuro terão atividades econômicas e moradias em seu centro, de grande ocupação. O subúrbio será destinado a atividades lúdicas usadas mais esporadicamento pelos citadinos — parques temáticos, por exemplo. O Rio tem cerca de 5,3 mil habitantes por quilômetro quadrado — metade de Nova York, e quatro vezes menos que Paris. Estas cidades conseguiram restringir seu crescimento a uma determinada área, facilitando os investimentos em infraestrutura, e sem abdicar de uma imensa área verde.
Ir de um lado a outro dessas metrópoles também é fácil, dada a extensão da rede ferroviária. Em Nova York e Paris, o metrô transporta anualmente cerca de 1,5 bilhão de pessoas, dez  vezes a mais do que no Rio. Vale lembrar que o transporte sobre trilhos é o mais eficiente energicamente, por provocar menor impacto ambiental e emitir menos gases-estufa. — Temos que acabar com a possibilidade do automóvel — avalia Gilson Paranhos, presidente do IAB. — Ele é o grande problema de nossas cidades, ainda mais agora, com seu acesso universal. Mas, para isso, é preciso viabilizar um transporte público de qualidade.
Qualquer centro urbano mundial de porte tem uma malha ferroviária muito maior do que a nossa. A própria construção de prédios não deve ser feita aleatoriamente. Além dos critérios já analisadas pelo mercado, como demanda e localização, outros tantos foram integrados à lista por defensores do meio ambiente. Na década de 1950, a equipe capitaneada por Oscar Niemeyer já idealizava edificações que aproveitassem a ventilação natural e a luz solar. Hoje, estes conceitos foram aperfeiçoados a ponto de dialogar com a ciência. A arquitetura bioclimática, como atende hoje, é aquela que melhor se relaciona com o meio ambiente e seu entorno imediato. Com adaptações no projeto e mudanças no acabamento de  paredes e janelas, é possível aproveitar a luz do dia — mas sem provocar calor excessivo —, o vento e a água da chuva. — A fachada leste é sempre mais iluminada no nascer do sol; a oeste, no entardecer; e a norte, durante o dia — lembra Macêdo. — Saber o posicionamento em relação à radiação solar é importante, ainda mais em nosso clima.
   O ar condicionado, ressalta Macêdo, responde por uma parcela considerável do consumo de energia em edifícios comerciais. Ainda assim, em nome da estética, muitos prédios apelam mais do que seria necessário para o refrigeramento. 
   — O uso de vidros na fachada é visto como um símbolo de modernidade, embora não seja uma solução adequada para as temperaturas que enfrentamos aqui — explica. — O vidro facilita a entrada de calor, mas não sua saída. Telhados mais compridos e vegetação nas paredes, por sua vez, são saídas para evitar a retenção de calor. 
   A água da chuva, quando captada, é multifuncional: serve para paisagismo, uso em vasos sanitários, lavagem… E, com um tratamento mais custoso, pode até ser bebida.
 O Centro Administrativo da Prefeitura do Rio é um exemplo negativo:
 a fachada de vidro retém calor.
Algumas cidades, como São Paulo, já obrigam edificações maiores a fazerem uso das águas pluviais. A Lei das Piscininhas, como ficou conhecida, determina que edificios com mais de 500 metros quadrados de área construída tenham uma área de contenção, para que parte da chuva fique armazenada ali por pelo menos duas horas. À época de sua implantação, dez anos atrás, estimava-se que a economia de água de cada prédio poderia chegar a R$ 800 mensais. O gasto de energia também é reduzido, com a menor acionamento das bombas  responsáves por encher as caixas d’água. Se a lei fosse levada a outras cidades, a economia vinda daí ganharia novos dígitos. Afinal, nos centros urbanos brasileiros, os prédios já são uma habitação mais comum do que as casas.
     Em alguns países, o uso de prédios foi radicalizado. Desde 2001, foram construídos 350 super-arranha-céus (edifícios com mais de 300 metros de altura) — mais do que dobrando o número de estruturas deste tipo. Engana-se quem pensa que estes prédios têm países desenvolvidos como endereço. Dos dez edifícios já concluídos, ou a serem inaugurados até 2016, seis estão na Ásia, três no Oriente Médio e apenas um fica nos Estados Unidos. 
    A conta não abrange outras dois arranha- céus, que serão os maiores do mundo. O Kingdom Tower, na Arábia Saudita terá seu um quilômetro de altura construído até 2017. O outro, 50 metros além, será a torre do arquipélago azerbaijano.
    — Os edifícios altos estão relacionados ao ego, à imagem de status, poder e solidez econômica — conta Macêdo. — É assim desde as torres Eiffel, de Babel, dos campanários de igrejas. Mas estes prédios só fazem sentido onde há infraestrutura no entorno. Caso contrário, elas não atendem a critérios de sustentabilidade.É necessário que elas agreguem qualidade de vida à população e gerem renda. Com nações em desenvolvimento investindo em edifícios com dezenas de andares e urbanistas pregando por cidades mais condensadas, o futuro será dos arranha-céus?
    — Não há dúvida, isso vai acontecer — vaticina o arquiteto Marcio Tomassini. — Mas não devemos temer o paliteiro, o arranha-céu, porque a discussão sobre sustentabilidade tende a crescer. Cada vez mais vamos discutir a relação custo-benefício na ocupação de um espaço.
   Tomassini tem  experiência nesse debate. Foi sua equipe que projetou, há 32 anos, o Projac, o centro de produção da TV Globo. Localizado em Curicica, na Zona Oeste do Rio, o núcleo é uma  referência de arquitetura sustentável. No terreno de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, apenas 200 mil metros quadrados são edificados. A área verde recuperada tem quase o mesmo tamanho do Aterro do Flamengo.
    Em entrevista por telefone ao GLOBO de sua casa, um edifício com mais de 20 andares na Barra da Tijuca, Tomassini usa o seu próprio entorno como exemplo de que, se a especulação imobiliária não prevalecer sobre outros critérios, as cidades podem ser mais condensadas sem perder sua beleza.
    — Eu estou aqui, falando com você, olhando para praia e vendo como  os prédios podem interagir com o meio ambiente — revela. — O modelo que construímos de cidade será sempre ultrapassado; cabe aos urbanistas correr atrás. E, no Rio, vamos torcer para que, em vez de ocupar as muitas terras ainda vagas, seja priorizada uma nova destinação a locais que sejam tenham uma infraestrutura montada, embora ainda ociosa.

Fonte: GRANDELLE, Renato. Futuro Vertical. O Globo Planeta Terra. Março de 2012.





Um comentário:

  1. Espero que os engenheiros que estão projetendo essa onda de arranha-céus em Niterói tenham a conciência ecológica e adicionem em seus projetos plantas e arbustos, para que nosso ar não fique tão poluído.

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